Ciência: O verme que ajudou a explicar o desenvolvimento do corpo humano (4º bimestre).
O verme que ajudou a explicar o desenvolvimento do corpo humano
Essa celebridade dos laboratórios tem um mecanismo
biológico que pode ser observado em tempo real sob o microscópio através de sua
pele transparente.
Você já ouviu falar do Caenorhabditis elegans?
É um ser excepcional, uma celebridade em laboratórios, que foi indispensável
para várias descobertas e contribuiu para o sucesso de seis ganhadores do
prêmio Nobel.
Seu nome é uma mistura das palavras gregas (caeno,
que significa "novo" ou "recente", e rhabditis, algo como
"bastão") e em latim (elegans, que quer dizer elegante). Mas, para
abreviar, é chamado de C. elegans.
Em seu ambiente natural, esse minúsculo verme vive
no espaço entre os grãos de terra, e foi no solo da Argélia que o zoólogo
francês Émile Maupas o encontrou — ele foi o primeiro a isolá-lo, descrevê-lo e
selecioná-lo como sua espécie de referência em 1900.
LEIA TAMBÉM
·
Problemas com gases afetam a maioria dos adultos
·
A nova espécie que alguns cientistas consideram ancestral direto dos
humanos
·
Fóssil de criança de 250 mil anos é encontrado na África do Sul
Vários cientistas seguiram seus passos,
particularmente o biólogo francês Victor Nigon e a bióloga americana Ellsworth
Dougherty.
Mas foi graças à busca do biólogo sul-africano
Sydney Brenner por um novo modelo animal que pudesse ajudá-lo a explorar os mistérios
do desenvolvimento e do comportamento humano que o verme ficou famoso, em 1963.
"Como
era preciso ver onde uma célula terminava e outra começava, tinha que ser com o
microscópio eletrônico, então, eu precisava de um organismo pequeno que caberia
na janela desses microscópios. Finalmente, decidi por esses pequenos vermes
nematódeos, C. Elegans, e comecei a trabalhar
com eles. "
"O que
ele realmente fez foi tomar uma decisão muito sábia que permite estudar
biologia realmente complexa em um sistema simples. E essa foi a verdadeira
genialidade. Trata-se de uma biologia básica, sem dúvida, mas é incrível como
essa biologia básica agora se traduziu para os humanos e a compreensão das
doenças."
As aparências não enganam
Na verdade,
a aparência do C. elegans é um dos seus
muitos atrativos para se tornar um modelo.
"A
grande vantagem é o fato de ser transparente. Dá para ver através de sua
pele!", exclama Lithgow.
"Além
disso, é pequeno. Tem menos de um milímetro de tamanho, então você pode
cultivar centenas de milhares desses vermes em laboratório, e isso é muito
importante se você estiver buscando um gene raro ou algo parecido."
"A
genialidade de Sydney Brenner foi perceber que, embora tenhamos centenas de
bilhões de células em nosso cérebro, o verme tem apenas 302 neurônios, e você
pode observá-los através de sua pele transparente e estudá-los."
Por que é tão ideal?
·
O verme
nematoide C. elegans é muito mais simples do que os humanos —
não tem, por exemplo, ossos, coração ou sistema circulatório — mas compartilha
muitos genes e vias moleculares conosco;
·
Além
disso, muitos dos sinais moleculares que controlam seu desenvolvimento também
são encontrados em organismos mais complexos, como os humanos;
·
Muitos
dos genes no genoma do C. elegans têm equivalentes funcionais
em humanos, fazendo dele um modelo extremamente útil para explorar doenças
humanas;
·
Formas
de C. elegans nas quais genes específicos são alterados podem
ser produzidas com muita facilidade para estudar de perto a função dos genes;
·
Essas mutações
fornecem modelos para muitas doenças humanas, incluindo distúrbios
neurológicos, doenças cardíacas congênitas e doenças renais;
·
Podem ser
usados para testar milhares de drogas em potencial para doenças importantes.
"Tem
menos de 1 mil células na idade adulta e sabemos quais são todas essas células
e o que fazem. É pequeno, então, é possível obter uma grande quantidade delas,
e isso é importante para a genética, porque permite observar vários eventos
raros. É difícil fazer a genética de um rinoceronte, como Sydney costumava
dizer!", acrescenta Waterson, que ingressou no laboratório de Sydney
Brenner em Cambridge, no Reino Unido, no início dos anos 1980 e é mais
conhecido por seu trabalho no Projeto Genoma Humano.
Mas, como
preparação para essa tarefa gigantesca, ele fez parte da pequena equipe que
mapeou o genoma do C. elegans, o
primeiro animal a ter seu genoma totalmente sequenciado.
Dúvidas infundadas
"Na época, havia muito ceticismo", ele lembra.
"O
segundo problema era que ninguém sabia como fazer isso. O que fizemos foi
realmente um experimento para ver se as tecnologias da época poderiam ser
adaptadas, refinadas o suficiente para sequenciar um genoma do tamanho do C. elegans. Se pudéssemos fazer isso com algo do
tamanho de um cromossomo humano médio, provavelmente seria possível estender
para todo o genoma humano."
Isso, como
sabemos agora, acabou se mostrando possível.
E, apesar
das dúvidas iniciais sobre se a missão valia a pena ou não, ter o mapa completo
do genoma do verme acabou sendo mais útil do que qualquer um esperava, como diz
Gordon Lithgow.
"Quando o genoma do C. elegans foi
sequenciado, descobrimos que algo como 2/3 dos genes envolvidos nas doenças
humanas estavam no verme. Isso significava que era possível estudar essa
biologia que é de vital importância para as doenças humanas nessa pequena
criatura."
Em 1988,
cientistas que trabalhavam com vermes mutantes nos Estados Unidos descobriram
por acaso uma mutação em um único gene que aumentava a vida útil do C. elegans em até 65%.
Cinco anos
depois, o verme ganhou as manchetes quando encontraram outra mutação de um
único gene que podia prolongar sua vida em até dez vezes. Além disso, os vermes
permaneceram saudáveis até o fim.
"Achávamos
que a vida útil era como uma quantidade fixa, mas o que o verme nos mostrou foi
que a vida útil é plástica, que realmente podia ser alterada em uma dimensão
dez vezes maior... É incrível!"
"Resulta
que a nível molecular, a nível celular, os processos que impulsionam a vida
útil de 20 dias do C. elegans são
muito semelhantes aos processos que acreditamos que impulsionem o
envelhecimento em seres humanos. E o mais importante é que não se trata apenas
de envelhecer; trata-se das doenças do envelhecimento", enfatiza o
especialista.
"Então:
o verme mudou a forma como as pessoas pensavam sobre o envelhecimento e a
expectativa de vida. E depois, devido à conexão com as doenças, o verme mudou a
maneira como pensamos sobre as doenças crônicas humanas."
O presente da natureza
Ninguém
ficou mais surpreso do que Sydney Brenner ao ver o quanto estava sendo revelado
ao estudar o C. elegans.
Vários
prêmios Nobel foram provenientes do estudo do verme, incluindo o que Brenner
recebeu.
"O
título da minha palestra é 'o presente da natureza para a ciência' (...), e
será sobre como a diversidade biológica pode ser — e tem sido — usada para o
avanço da pesquisa científica. Gosto de pensar que o quarto vencedor do prêmio
Nobel este ano é o Caenorhabditis elegans e
acho que ele merece a maior parte da homenagem, embora é claro que ele não vai
compartilhar a recompensa em dinheiro! (Risos)", afirmou Brenner em sua
palestra no Nobel em 2002.
Esse
pequeno "presente da natureza para a ciência" provou ser
inestimável... e o que rendeu a Sydney Brenner e dois colegas o Prêmio Nobel
foi a descoberta do programa de suicídio celular.
O suicídio
celular é o processo que esculpe nossos corpos no útero, removendo a teia de
pele entre os dedos das mãos e dos pés, esvaziando os tubos, moldando nossos
órgãos e construindo nosso cérebro.
"Mas,
às vezes, você não precisa de uma das células-filhas que são fabricadas. E,
surpreendentemente, a biologia inventou um sistema basicamente para o suicídio
celular. A célula é programada para decidir que não é necessária e ativa esse
programa que a mata."
"Isso
se mostrou ser muito importante em toda a biologia. No câncer, é incrivelmente
importante: se você não tiver controle adequado da morte celular, se não tiver
esse programa de suicídio ativado, isso pode levar a certos tipos de
câncer."
Da terra ao céu
E não para
por aí: o pequeno verme tem sido usado para testar os limites da biologia em
ambientes mais extremos.
"Foi parte de um dos experimentos biológicos
inicialmente realizados em um ônibus espacial. E mais: foi possivelmente o
primeiro organismo terrestre a se reproduzir no espaço. São hermafroditas,
então se autofecundam, e esses vermes enviados ao espaço foram capazes de se
reproduzir, o que foi muito emocionante."
Mas também foram
parte de uma tragédia.
Em 2003,
para o horror daqueles que controlavam a missão e de milhões de pessoas que
ligaram suas televisões para assistir ao retorno do ônibus espacial, o Columbia
se desintegrou ao entrar na atmosfera da Terra.
"É incrível que eles estivessem ali, eles passaram
por isso e voltaram à Terra", conta Lithgow.
"O C. elegans deu uma contribuição após a outra ao
nosso conhecimento", diz Waterston.
E tudo
parece indicar que continuará contribuindo.
Hoje,
também são usados para testar todos os tipos de drogas, incluindo aquelas que
os cientistas esperam que possam retardar e melhorar os processos de
envelhecimento.
Comentário:
Comentários
Postar um comentário