Educação: 'Aluno dividia celular com dois irmãos': 51% na rede pública ainda não têm acesso a computador com internet (4º bimestre).
'Aluno dividia celular com dois irmãos': 51% na rede pública
ainda não têm acesso a computador com internet
Pesquisa exclusiva do Datafolha mostra que
conectividade precária continua a ser um problema para alunos mais vulneráveis
após 18 meses de pandemia, dificultando o aprendizado e a compensação dos
prejuízos sofridos enquanto as escolas estiveram fechadas.
Metade dos alunos matriculados em escolas públicas
do país continuam sem ter um computador com conexão à internet para poder
estudar, passado cerca de um ano e meio desde o início da pandemia.
O dado foi revelado por uma pesquisa do instituto
Datafolha, encomendada por Fundação Lemann, Itaú Social e Banco Interamericano
de Desenvolvimento, à qual a BBC News Brasil teve acesso. O estudo investiga
como as famílias avaliam a educação não presencial durante a pandemia.
O acesso aos computadores com acesso à internet vem
aumentando aos poucos desde o início da pandemia: na primeira das sete
pesquisas conduzidas pela Fundação Lemann e Itaú Social, realizada em maio de
2020, eram 42% dos alunos, índice que chegou a 49% no levantamento mais
recente, com base em entrevistas feitas entre agosto e setembro.
Mas 51% das famílias entrevistadas disseram que
ainda enfrentam esse problema.
Mesmo com a ligeira melhora, esse patamar ainda é
considerado insuficiente e um problema "urgente", diante do aumento
na desigualdade educacional do país e do fato de que as escolas continuam
aumentando sua dependência dos recursos digitais, mesmo com a volta gradual às aulas
presenciais.
O celular foi o equipamento mais utilizado (85%)
pelos alunos das famílias entrevistadas para acessar aulas e atividades, o que
é considerado um limitante ao aprendizado — até porque mais de um terço desses
alunos tinham de dividir o aparelho com outros membros da família.
A pesquisa reflete a realidade observada pelo
professor Marcelo Martins, que dá aula nas redes pública e privada e coordena
um cursinho preparatório na comunidade carente de Vila Cruzeiro, na zona Norte
do Rio de Janeiro.
"Nunca teve conectividade aqui", diz ele
à BBC News Brasil. "É precário, desanimador."
Dos atuais 33 alunos do cursinho Estudando Para
Vencer, a grande maioria (cerca de 20, nas contas de Martins) contou apenas com
o celular para acompanhar as aulas desde o início da pandemia, mas tampouco
tinham o aparelho só para si.
"Temos alunos que dividiam um celular com dois
irmãos", diz.
"Uns outros dez alunos tinham computadores,
mas obsoletos, sem memória suficiente ou inadequados para eles assistirem à aula
online. Três dos nossos alunos não tinham acesso nenhum (a aparelhos), nada. E
todos tiveram problemas de conexão com a internet."
Isso não
mudou desde então — a falta de conectividade continua.
"Um
acesso à internet com computador decente minimizaria o impacto" da ruptura
nas aulas, que ainda estão voltando ao presencial na cidade, prossegue Martins.
"Os
alunos já não tinham um ambiente favorável dentro de casa para estudar, com
pouco espaço, mas pelo menos teriam conseguido acessar as aulas. Mas isso não
aconteceu."
Em São
Paulo, apesar de os estudantes da rede estadual terem recebido chips de
internet para estudar, "para a maioria dos jovens por aqui, o chip não
funcionava em partes da casa deles, porque não dava área (de cobertura pelas
antenas das operadoras)", conta Vânia Rocha, que mora na comunidade do
Jardim São Luís, no extremo Sul da capital paulista.
Seus
filhos, agora com 15 e 8 anos, passaram a maior parte do tempo de pandemia com
acesso precário às aulas, usando apenas o celular dela.
"Parcelei
(o pagamento) de um tablet usado para dar à minha filha, e o meu filho ganhou
um celular antigo do pai. Mas isso foi em março deste ano. Antes disso, quase
não teve como estudar. E eu diria que essa é a situação de 100% dos jovens
daqui."
'Mundo digital é direito de todos'
Depois de
tanto tempo de pandemia, a dificuldade de acesso de alunos e das próprias
escolas à tecnologia é grave, diz à BBC News Brasil Angela Dannemann,
superintendente do Itaú Social.
"A
tecnologia chegou para ficar na educação. Esse debate estava atrasado, mas isso
foi atropelado na pandemia", opina ela, ressaltando que o ensino híbrido —
ou seja, parcialmente na escola e parcialmente em casa — será uma das
principais estratégias para recuperar os atrasos de aprendizagem que ficaram do
período de escolas fechadas.
"E
também temos escolas que não têm equipamentos disponíveis, nem internet com boa
velocidade", completa.
Há
evidências de que alunos conseguem passar mais tempo de aula diante de
computadores do que diante de celulares, segundo um guia de práticas escolares
elaborado durante a pandemia pela Ofsted, a agência governamental britânica que
supervisiona as escolas do Reino Unido.
"Não
podemos aceitar que um quarto das escolas não tenham acesso à internet e que a maioria
dos alunos não tenha computador para estudar. (...) Quando olhamos as classes
mais baixas, os números são ainda piores. O Brasil precisa investir
urgentemente em conectar suas escolas e equipar seus alunos para que estar no
mundo digital seja um direito de todos", afirmou, em comunicado, Cristieni
Castilhos, gerente de conectividade da Fundação Lemann.
Abismo entre público e particular
Como
professor tanto de escolas públicas quanto de uma particular, Marcelo Martins
também observou as desigualdades digitais agravarem o abismo educacional
durante o período de ensino remoto.
"Na
escola particular, eu tinha 90% dos alunos entrando nas minhas aulas online. Na
rede municipal, passava às vezes a aula inteira sem nenhum aluno sequer
conseguir entrar. Alguns passavam a semana inteira sem entrar na plataforma de
aula, porque a mãe levava para o trabalho o celular da família", conta.
Para tentar
recuperar o conteúdo, o cursinho comunitário que ele coordena agora tem uma
turma mista, com alunos de mais de uma série escolar.
"Mas,
neste ano, como no anterior, estamos sem expectativas de aprovação muito
elevada (no Enem e em vestibulares). Estamos trabalhando o psicológico dos
alunos para que não desistam, porque a culpa não é deles", conta.
O impacto da desconexão
Pesquisas
prévias já mostravam que a falta de conectividade de escolas e alunos vinha
deixando marcas, principalmente no primeiro ano de pandemia.
Em janeiro
deste ano, o Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo
(USP) e o Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados da Fundação Getúlio
Vargas (FGV) avaliaram a eficiência dos planos de educação remota de Estados e
capitais e criaram um Índice de Educação à Distância.
Foram
analisados os meios usados para as aulas (como TV ou internet), seu alcance e
qualidade e os materiais e tecnologias oferecidos aos alunos, entre março e
outubro de 2020, ou seja, sob o primeiro ano da pandemia.
Os
resultados foram considerados desanimadores: a nota média dada pelos
pesquisadores aos planos estaduais foi de 2,38 (de 0 a 10) e de 1,6 para os das
capitais.
Um dos
pontos levantados foi de que a maioria das redes não havia conseguido garantir
que seus alunos tivessem meios de acessar as aulas online.
"A
quase totalidade dos Estados decidiu pela transmissão via internet, (mas)
apenas cerca de 15% deles distribuíram dispositivos e menos de 10% subsidiaram
o acesso à internet" ao longo de 2020, escreveram os pesquisadores Lorena
Barberia, Luiz Cantarelli e Pedro Schmalz.
A nova
pesquisa do Datafolha sinaliza no entanto que, mesmo com todas as dificuldades,
87% dos 1,3 mil pais entrevistados em todas as regiões do Brasil acreditam que
o uso da tecnologia foi positivo para a aprendizagem dos filhos; e um terço
afirmou que a possibilidade de estudar remotamente, em qualquer lugar, deve ser
mantida no futuro.
Para Angela
Dannemann, essa aparente contradição entre valorizar a tecnologia mesmo sem ter
tido acesso a ela ainda precisa ser melhor estudada, mas é um indicativo de
como a pandemia mudou alguns aspectos da relação entre as escolas e as
famílias.
Para os
pais que puderam presenciar as aulas online dos filhos, "pela primeira
vez, eles viram a escola acontecendo e viram o valor do professor", diz
ela.
O
professor, ao mesmo tempo, "baixou a guarda (em sua resistência à)
tecnologia, mas é necessário que a política pública o apoie. Tem que haver
formação continuada para o uso da tecnologia e manter os equipamentos
atualizados, senão ficam obsoletos. Não é uma tarefa simples."
Uma fonte
de recursos para isso pode vir do leilão do 5G, a internet móvel de quinta
geração. Cerca de R$ 3,1 bilhões arrecadados na venda de um dos lotes terão de,
segundo as normas do edital, ser investidos em projetos de conectividade nas
escolas públicas, ainda a serem definidos pelo Ministério da Educação.
A Agência
Nacional de Telecomunicações (Anatel) afirmou que a quantia obtida no leilão do
5G — embora muito abaixo do montante estipulado inicialmente (R$ 7,6 bilhões) —
será suficiente para garantir a cobertura 5G para as escolas de educação básica
do país, informa a Agência Brasil.
Até agora,
o tema da conectividade vinha provocando uma espécie de queda de braço entre o
governo federal e o Congresso, que aprovou uma lei demandando que a União
transferisse a Estados um montante de R$ 3,5 bilhões que custeassem o acesso à
internet a professores e alunos das redes públicas.
O projeto
foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), veto este que foi
revertido após nova votação no Legislativo, até que o caso foi levado ao
Supremo Tribunal Federal.
Em agosto,
o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o governo federal estaria
cometendo crime de responsabilidade fiscal se fizesse o repasse diante do
desequilíbrio das contas públicas.
Fonte: G1
Comentário:
Infelizmente essa é uma situação que muitos ainda estão precisando passar. Como
mesmo diz às reportagens que um quarto das escolas não tenham acesso à internet
e que a maioria dos alunos não tenha computador para estudar. No mínimo na
minha opinião, o governo poderia dar aos alunos tablets para que possam ajudar
nessa etapa escolar, pois muitas crianças ainda nem voltaram a estudar por
conta dessa precariedade e falta de recursos.
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